ATO PRIMÁRIO: um diário.
Antes de dar contornos pra escrita de hoje, deixa eu contar um pouco sobre o que se passa aqui dentro para você entender a simplicidade e a potência desse primeiro ato.
Afinal, como pode um papel e um lápis fazer eu me sentir tão em casa?
É que minha relação com a escrita veio de uma simples vontade: ter ela como confidente. Contar meus segredos, o que eu sentia, meus medos e confusões, meus sonhos e dramas. Pra mim, quando penso em escrever, penso em intimidade. Penso no diário. Nas cartas escritas à mão. Nos caderninhos com “inspirações”.
Minha mãe sempre escreveu cartas pra mim e meus irmãos e pedia que escrevêssemos para ela de presente. Era comum eu viajar e no meio do caminho encontrar uma carta dela nas minhas coisas. Além disso, ela sempre me deu diários para eu “derramar” minha intensidade pela vida neles. Essa relação íntima com a escrita é tão forte que esses dias reencontrei um diário meu de 2013, época que eu estava morando fora do país e meio deprimida. E outro diário de 1993 (ano que eu nasci) escrito pela minha mãe e contando sobre como estava sendo a gravidez.
PS.: Minha mãe não sabia se eu seria menina ou menino kkk no diário dela conta que se eu fosse menino me chamaria Yan :)
PS 2.: A escrita tem essa magia de eternizar sentimentos. É incrível poder reler o que ela sentia naquela época, nos mínimos detalhes. Coisas que se eu perguntasse hoje ela nem lembraria.
Já tive época que contei mais sobre os detalhes da minha vida pro diário do que pra psiquiatra. A escrita é um não-julgar, um ser vista por você mesmo, uma liberdade aboluta. É um se enxergar por outro ângulo. É fazer perguntas e se demorar nelas.
Como pode um simples ato, como um diário, ou mesmo uma carta, ser tão revolucionário?
Um caderno sem linhas y um bom viño, sil vous plait.
Ao longo dessas cartas, vou partilhar outras memórias para te incentivar a comprar o seu caderno sem linhas. Você verá como será um dos maiores investimentos para a sua saúde mental e criativa.
Primeiro que, no papel, não há regras. Eu, por exemplo, invento até a minha letra. Misturo vários estilos, invento fonte. Em uma palavra o “A” é de um jeito e em outras de outro. Misturo. Misturo porque gosto. Misturo porque quando escrevo eu não penso, a coisa só sai de mim.
Uma vez me falaram, quando adolescente, que eu não podia escrever assim, que iriam me descontar nota nas provas. Achei um absurdo. Como pode? Lembro de “revirar os olhos para cima” (sim, eu sou a pessoa que não consegue disfarçar rs) e lembrar: ok. Na hora da prova eu padronizo, mas no meu caderno não. Isso não faz sentido.
Não acho saudável seguir todos padrões à risca. É preciso encontrar o jeito que a gente se sente livre o suficiente pra se derramar nas coisas. Em tudo o que fizer, colocar um pouco de si. Isso diz respeito a forma como preparamos nosso café, como nos vestimos, como falamos, como cuidamos do nosso corpo, como fazemos nossas escolhas e, sim, como fazemos a curva na fonte enquanto escrevemos.
A sua escrita é um traço único da dança entre a sua mão e o papel. Você precisa se ver nela.
Portanto, o primeiro ato enquanto um diário é, na verdade, um convite à redenção. Um convite a um espaço sem regras, aonde a única lei é você ser você. É ser honesto o suficiente a ponto de não esconder de si mesmo aquilo que gostaria de ser visto.
O diário é o ato primário pois ele é, em essência, um espaço de autoconsciência.
Simples, acessível e você só precisa sentar a bunda na cadeira, deitar na grama ou onde for e e s c r e v e r o q u e v o c ê q u i s e r.
Autonomia total. Liberdade absoluta. Então sim, essa prática tão ordinária é uma das coisas que mais pode te revelar sobre você mesmo. E fugimos dela porque no fundo sabemos que o que procuramos será escancarado ali, naquele papel.
Buscamos tanto por autoconsciência, métodos contemporâneos e esquecemos que é nessa prática simples e ancestral, de antigos aventureiros, navegadores e artistas que mora as grandes viradas de chave. Agora, é preciso começar a escrever para perceber. É preciso de uma dose de ousadia e coragem para simplesmente pegar o lápis e se derramar ali.
Por isso, quis iniciar esse novo ato da newsletter te convidando a um ato primário:
se dê um caderno sem linhas de presente
& vem comigo nesse Ato Poético.
Nos próximos atos quero trazer alguns exercícios para nos aventurarmos juntos.
Enquanto isso, me conta nos comentários qual a sua relação com a escrita?
Avec amour,
Naíma Lorber